bcome 1 de maio de 2020

Trabalho é coisa de mulher!

Mulheres trabalhando em um projeto criativo

Quando ouvimos falar que algo é "para mulheres" o mais comum é que estejamos diante de alguma situação relacionada à beleza, saúde, estética, maternidade, emotividade, enfim, dificilmente se está falando sobre trabalho.

Se pararmos para pensar, além de trabalhar fora e ganhar menos exercendo as mesmas funções que os homens, nós ainda nos vemos muitas vezes obrigadas a conciliar nossas atividades profissionais com tarefas domésticas, de cuidados com os filhos, com os nossos pais, irmãos... Ou seja, será mesmo que trabalho não é coisa de mulher?

Reafirmar esse lugar da mulher como trabalhadora é fundamental porque, como sabemos, não raro nos vemos abrindo mão de nossas carreiras em função das dos nossos companheiros. E isso não quer dizer ter que, necessariamente, deixar de trabalhar.

Muitas vezes, as mulheres seguem trabalhando mas não conseguem se dedicar o suficiente para, por exemplo, conseguirem uma promoção – fora, obviamente, todas as barreiras estruturais que dificultam sua projeção profissional. Estamos falando, portanto, de concessões sutis do dia a dia, muito mais difíceis de serem observadas e, por isso, modificadas.

Os homens, quando filhos, têm suas mães para cuidar das tarefas domésticas, quando casados, têm suas esposas. Com isso, o que eles sempre têm mais que nós? Tempo. Ou seja, além de ganharem mais para exercer as mesmas funções, eles ainda têm mais condições de serem promovidos pois têm mais aceitabilidade no mercado e mais tempo para se dedicarem às suas carreiras.

É, então, matematicamente muito mais provável que, em um casamento, o homem ganhe mais do que a mulher e é exatamente esta justificativa que é utilizada para que o trabalho dele seja priorizado. Afinal, é uma questão de lógica, certo? Na verdade, não! Porque a mulher, que já tem historicamente mais dificuldades de ser valorizada no mercado de trabalho, acaba tendo ainda mais obstáculos por não ter condições de se dedicar a si mesma, perpetuando essa situação.

É evidente que temos cada vez mais mulheres incríveis ocupando espaços de liderança e sendo exemplo para todas nós. Mas, a pergunta que temos que nos fazer é: a custo de quê? Do que estamos abrindo mão? Da maternidade? Da nossa saúde? Das nossas relações? Sim, porque se relacionar afetivamente com uma mulher bem sucedida nos tempos atuais ainda parece ser algo bastante desafiador para a maioria dos homens.

O trabalho da mulher sempre foi fundamental para a economia. Mesmo quando grande parte delas só trabalhavam em casa, elas tiveram um papel determinante para a manutenção da estrutura social, política e econômica que conhecemos. Apenas este papel nunca foi valorizado.

Infelizmente, em um mundo capitalista como o que vivemos, o dinheiro se tornou um dos nossos maiores valores. Dessa forma, trabalhos não remunerados ou mal remunerados são comumente vistos como trabalhos de pouca importância.

Acontece, que o fato de um trabalho não ser socialmente valorizado, não quer dizer que ele não seja fundamental para a sociedade. O que seria de nós hoje, por exemplo, se não fossem os entregadores, os caixas de supermercado, os caminhoneiros e tantos outros. Enfim, precisamos distinguir o valor que se dá ao trabalho ao que de fato ele tem na nossa estrutura social.

Quando falamos sobre trabalho não devidamente valorizado é impossível não falar também sobre mulheres negras, historicamente exploradas e cuja força de trabalho foi determinante, inclusive, para a sobrevivência de muitos filhos brancos que hoje renegam o seu valor.

Ao contrário das mulheres brancas, que tanto precisaram e precisam lutar para se inserir no mercado de trabalho de forma igualitária, as mulheres negras sempre integraram essa força, mesmo que ocupando funções subalternizadas. Falta-nos reconhecer essa importância e lutar para que elas ocupem os espaços que lhes são de direito, de forma justa e igualitária.

Nesta data tão simbólica, o Dia do Trabalho, em tempos tão nebulosos, onde tanta coisa que nos remetia a esse conceito está sendo reconfigurada, creio que podemos aproveitar esta oportunidade para refletir de forma mais profunda sobre algumas peculiaridades.

Nossas rotinas, nosso cafezinho com os colegas, nossas reuniões, nossas mesas de trabalho, todo esse contexto está em processo de transformação e ainda estamos buscando saídas para lidar com tudo isso.

Os velhos detalhes, hoje, parecem ter ganhado outro grau de importância para uma grande parte de nós. Temos que ajustar nossa rotina de trabalho aos horários da nossa casa, dos nossos filhos, companheiros. Temos que aceitar que, eventualmente, teremos gatos sentados no teclado, cachorros latindo ou filhos querendo interagir no meio da reunião. Sim, por tudo e também por isso, são tempos desafiadores para todos nós.

Entender a hora de começar a trabalhar, saber a hora de parar. O medo de uma possível demissão, que nos faz querer mostrar produtividade a ponto de responder e-mails de madrugada ou perder o sono. O receio de não ter como pagar todos os funcionários no final do mês... Enfim, não está fácil para ninguém! Para as mulheres, o cenário é ainda pior!

Além de já estarem em condições estruturalmente de maior vulnerabilidade no mercado, segundo dados do IBGE, no Brasil, mais de 11 milhões de mulheres são mães solo e trabalham mais do que o dobro de horas dos homens em tarefas domésticas. Com o isolamento social, elas passaram a ter ainda mais demandas com a presença de toda a família dentro de casa.

Trabalho é coisa de mulher

Por tudo isso, finalizamos fazendo um convite para que aproveitemos este momento de depuração para refletir sobre o que ainda pode ser melhorado. Se você é homem, procure compreender como o trabalho da sua companheira, seja ele remunerado ou não, também é importante. Para ela, para a família de vocês.

O valor das coisas está no valor que nós damos a elas. E se você hoje conseguiu trabalhar o dia inteiro, ter o seu almoço e jantar prontos, se seus filhos também comeram, estudaram e tomaram banho, se sua casa não está de cabeça para baixo, pode ter certeza que não foi graça divina, mas, provavelmente, alguma mulher que dedicou o tempo e a energia dela para isso.

É possível, também, que as coisas em casa não estejam em ordem como gostaríamos e não precisamos fazer disto mais um drama em nossas vidas já tão alteradas por uma pandemia mundial. Às vezes, não damos conta de tudo e está tudo bem.

Se você é empresário ou tem poder de decisão onde trabalha, contrate mulheres! Uma pesquisa realizada pela McKinsey & Company apontou que companhias com altos índices de Diversidade de gênero e etnia têm 35% mais probabilidade de obter Resultados Financeiros Acima da Média.

Outro estudo realizado pelo Hay Group no Brasil, indicou que, aproximadamente, 76% dos funcionários das empresas que se preocupam com a diversidade reconhecem que têm espaço para expor suas ideias e inovar no trabalho. Ou seja, ela gera inovação! Todos ganham com a multiplicidade de ideias e visões de mundo.

Mais do que isso, acredite no potencial delas! Só nós sabemos como é cansativo ter que ficar o tempo todo nos provando e mostrando que somos capazes. Vejam bem, em geral, nós trabalhamos o dobro, ganhamos menos, geralmente não somos reconhecidas por nossos esforços, descobertas e iniciativas e ainda somos preteridas no mercado de trabalho. Acho que merecemos, no mínimo, reconhecimento, vocês não acham?

Mas se você é mulher, relaxe. Hoje eu não vou lhe pedir nada. Só para você tentar não se cobrar tanto. Que você não se esqueça que filho a gente não faz sozinha e que contribuir com a manutenção da casa não é uma tarefa exclusiva sua. Que você tem um potencial tremendo e que a sua energia e o seu tempo você pode gastar como quiser.

Seja mãe, ou não, trabalhe em casa, trabalhe fora, tenha seu negócio, faça o que quiser, mas se permita ser LIVRE! Livre para viver o seu presente e construir o seu futuro como você achar que deve. Um dia de cada vez.

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Sophia Prado Sophia Prado, Doutoranda em Antropologia na Universidade Federal Fluminense, pesquisa o empreendedorismo feminino como forma de resistência. É advogada, cineasta, sócia co-fundadora e diretora executiva da ColetivA DELAS e do FREELAS, onde também atua como roteirista, consultora e diretora audiovisual.

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